O ruído da mastigação mecanizada tomava conta do ambiente. Nenhuma palavra, um sorriso ou um olhar, apesar de estarem no mesmo ambiente. Ela, de uma ponta da mesa e ele, da outra. A concentração perante a refeição era de invejar qualquer nutricionista. Os olhos nos legumes, nas verduras e no corte da carne, era quase uma dança fúnebre, de quem não tem mais para fazer ali.
Afinal, em incríveis vinte minutos de silêncio não havia muito o que pensar. Apenas o de sempre e o que era importante: precisava escolher a roupa para o dia seguinte, lavar a louça, deixar o almoço pronto.
Dormir era como uma extensão do dia, só que de olhos fechados. Era bom. Calava as vozes na cabeça. Trazia conforto. Segurança. Segurança que não encontravam um no outro. Estranhos debaixo do mesmo teto.
De manhã, o sol batia na porta. Anunciava o início de um dia repleto de oportunidades e novos começos. Mas ela não notou. Desligou o despertador e colocou para despertar novamente dali 10 minutos, como todos os dias. Levantou, mas a cabeça continuou baixa e num andar automático foi ao chuveiro. Tomou seu banho, não porque era reconfortante e revigorante, mas porque era necessário. Vestiu a roupa que escolhera na noite anterior. Tons neutros. Escuros. Nada que crescesse aos olhos. Se maquiou com o básico, sem sentir falta do sorriso.
Ele, levantou em seguida, tomou banho e se vestiu. Sem prestar atenção alguma no que fizera. Desceu. Tomou café da manhã na mesma mesa que ela, mas não estavam juntos. Há muito tempo.
Ao sair, ele esbarra. Esbarra e cai. Cai profundamente em um fosso. Ela vai junto. Ao fundo, se vê de frente daquilo que mais temia. Que protegeu tanto e nem usufruiu. De olhos arregalados, ela o encarava. E ele era incapaz de desviar o olhar, apesar do desconforto por ver seus olhos após tanto tempo.
Um arrepio percorre a espinha dos dois. Era a hora. Não havia mais o que fazer, pois já estava feito há muito tempo.
Quando foi que isso aconteceu? Em que momento se perderam?
Agora era tarde, a morte os aguardava. Ocupava o mesmo cômodo que eles. E se aproximava lentamente, asfixiando suas gargantas com as palavras não ditas, mobilizando seus braços com os toques não realizados. Tapando suas bocas com os beijos não dados. Matando aquele relacionamento…tão mal cuidado.