– Já disse que vou ter o meu filho! – grito num rompante.
Ele se levanta consternado, a cadeira cai fazendo um enorme barulho. Me fita com olhos de personagem, o homem que impede a mulher de gerar seu próprio filho, sangue do seu sangue. Um homem tão distante dele.
Enquanto eu, já nem sei quem interpreto mais.
Ele não sabe. Ele não pode saber.
– Nina, você vai tirar esse filho!
Me rebato dentro de mim, querendo discordar do Zé. Eu preciso ter esse filho. Nina precisa ter esse filho. Ela o quer, muito.
Mas minha voz sai como um sopro. Minhas cordas vocais me traem porque sabem da verdade.
Preciso contar para a ele a verdade, há algo dentro de mim, mas não sei se consigo dizer.
É tão errado pensar em tudo isso quando se está interpretando. Preciso me concentrar nos sentimentos de Nina, mas tudo o que sinto é puramente meu.
Atuar também é sentir. Mas o que sinto é tão errado. Tão…sujo.
Não quero contar para ele. Não quero contar com ele. Até porque nunca contei. Não era para isso acontecer de forma alguma, pois não quero ele em minha vida.
Mas é justo ter que lidar sozinha?
Enquanto vagueio entre Nina e eu, ele continua me fitando, deixando a raiva percorrer pelo seu corpo, uma raiva que não é dele. Não paro de pensar como ele agiria se a conversa fosse real. Será que estaria tão consternado? Ou forneceria a solução com a facilidade que lhe era comum? Como quem joga o lixo fora todos os dias. Como quem se livra de algo que incomoda, só pensando em si mesmo. Como ele fizera comigo tantas e tantas vezes.
Continua a me esperar. Quer que eu aproveite a deixa. Sinto algo formar em minha garganta. Um grito sufocado, agonizante. Um grito de cena, um grito meu. O grito de nós três. Ele não para de me olhar, quer algo de mim que não posso dar.
A fala me vem a mente. A única fala verdade que reverbera em mim.
– Vou embora daqui!
Falo e saio. Saio da cena. Saio de Nina. Do teatro. Ouço vozes atrás de mim, mas não entendo o que dizem. Continuo a andar. Vou às ruas.
Respiro fundo e fecho os olhos por um instante. Sozinha consigo refletir melhor e sentir eu mesma. Preciso deixar Nina para trás e entender o que quero. Mesmo que não seja certo.
Um arrepio toma conta de meu corpo. Sinto tudo. Cada pedacinho da minha alma quebrada. Sinto o seu, o meu coração. Não tenho forças para suportar.
O grito continua preso em minha garganta. O grito da contradição entre o meu dever de mulher e o que é melhor para mim. Aquilo que jurei que não. A sensação de solidão que nunca me abandonou, nem mesmo com ele. E, agora, mais do que nunca, me sinto ainda mais.
Abro os olhos. Finalmente percebi.
Sinto o grito da verdade incontestável que continuo a negar: a coragem de Nina não habita em mim.
Adorei. Sua escrita é muito boa, tem o dom com as palavras.
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Obrigada, Aimê, muito bom ler isso 🙂
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