O amanhecer é como um soco no estômago. O gosto amargo me vem à boca, a garganta retesada, tensionada das palavras não ditas e que nunca serão, pois não há ninguém para escutá-las. Ameaço levantar, mas a cabeça explode numa dor agonizante, a dor dos pensamentos que vem à tona pela manhã. Nada o que dizer e muito a pensar, o inconsciente grita na mente “volta, volta, volta. Pra mim. Por favor”.
Eu não quero mais chorar, não quero sentir pena de mim. Me arrepio de sofrimento, da cabeça ao pé. Sem eu permitir as lágrimas rolam, molham o travesseiro, o colchão, o quarto todo e eu me afogo, sem ao menos tentar nadar. Sinto o quarto escuro voltando, se fechando ao meu redor. A porta, a janela, a cama, eu vejo tudo, o lugar que fiquei presa por tanto tempo.
Num suspiro de desespero tomo fôlego e um feixe de luz entra no recinto, clareando minha mente. Lembro da pessoa que eu era e da pessoa que eu sou hoje. Não são as mesmas. Tanta coisa aconteceu! Você me tirou de lá – do quarto escuro – e agora, não me levou de volta. Não, eu não voltei para lá. A porta está fechada com concreto, não há mais como entrar.
E você, num último gesto doce me deixou no jardim, aquele que já caminhamos tantas e tantas vezes. Há flores, margaridas, violetas e outras que nem sei o nome, mas que colorem o jardim. Há pássaros, abelhas, há vida! O céu azul faz sua mágica e o sol, que tanto amo, aquece a minha pele, me permite viver, apesar de ter tanta coisa morrendo aqui dentro.
Uma voz sussurra em meu ouvido: “O quarto escuro ficou para trás, não há o que temer.” A mensagem parece me aquecer, fecho os olhos para sentir. Você se foi e a dor é inevitável, mas algo aqui dentro está diferente, aceito meu pertencer, aceito quem sou e não tenho medo de mim. E o que mais importa agora?
Olho para o chão, uma flor que precisa de cuidados. Um pouco de água e adubo, talvez a ajude. Pego a pá e o regador, começo a trabalhar. Este jardim precisa de mim.
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