A quarentena

Era meio da tarde. Seria um dia de semana como outro qualquer se não fosse por tudo o que estava acontecendo. O governo informava em todos os jornais: “fiquem em suas casas e não saiam por motivo algum. Permaneçam em quarentena!”

Algo estava acontecendo, mas ninguém nos dizia o quê.

A maioria das pessoas acatou a mensagem, logo, as ruas estavam desertas. Porém, para algumas empresas, o dinheiro falava mais alto: “não vou perder dinheiro para um inimigo invisível” – dizia a maioria dos empresários.

Onde eu trabalhava, não era diferente. Logo quando tudo começou meu chefe disse: “não vamos parar”. E eu, sem escolha, não parei. Afinal, ele decidia não parar por nada mesmo. Estava sempre de olho quando parávamos para pegar café, íamos ao banheiro ou conversávamos com alguém. Para ele, o certo era estar 100% focado no trabalho e nada mais.

Mas algo dizia que eu deveria ter parado. Deveria ter ido para casa logo e ficar com a minha família que estava toda em casa e segura.

Continuei trabalhando normalmente, assim como todas as pessoas da empresa em que eu estava.

Durante todos os dias, trabalhávamos em silêncio. O medo e a incerteza eram palpáveis. A cada pequeno ruído estranho todos se sobressaltavam. Eu colocava na cabeça a ideia de que nada iria nos acontecer, mas será que eu podia garantir isso? E o medo voltava a me dominar.

E foi assim quando a porta se abriu, de repente. Ficamos parados, imóveis, olhando, até percebermos que era a moça do café…Ufa… Todos suspiraram e voltamos a olhar para as telas do computador, fingindo estarmos concentrados em meio a toda aquela tensão.

O dia fluiu lentamente, na esperança de que nada acontecesse. Mas, no fundo eu sabia que era um desejo sem fundamento.

Para falar a verdade, acho que sentimos quando há algo realmente estranho no ar. E foi o que aconteceu no milésimo de segundo que senti meu coração apertar. Parecia que o tempo havia parado e ao mesmo tempo em que tudo escurecia, eu ouvi meu celular vibrar. Olhei para a tela, uma mensagem de minha mãe: “VENHA PARA CASA, AGORA!”

Nem precisei perguntar porque. Não havia mais tempo. O momento chegou. Todas as janelas escureciam ao mesmo tempo, até quebrarem.

Meus ouvidos tamparam. Minha cabeça parecia estar sendo esmagada e eu só me lembro de correr e descer as escadas, enquanto todos se atropelavam para salvar suas vidas. Em um minuto eu estava lá embaixo. A rua parecia um caos, tomada por uma névoa negra que atingia a todos. As pessoas gritavam e corriam tentando fugir, mas ela era mais rápida que todos.

Tremendo de medo, tentei achar uma saída. Avistei uma parte do caminho que não havia sido tomada pela névoa desconhecida e corri naquela direção sem olhar para trás. Enquanto isso, via pessoas e mais pessoas sendo atingidas e acometidas pela falta de ar, morrendo sufocadas.

“Meu Deus, o que era aquilo?” – pensei e andava ainda mais rápido, toda aquela cena só mostrava que eu não podia parar.

Continuei. O trajeto era de mais ou menos uma hora e no metrô tudo parecia normal, por enquanto. Quando ganhei as ruas, percebi que em meu bairro ela ainda não havia chegado, mas era possível ouvir o seu zumbido característico. Estava próxima e eu precisava chegar em casa logo.

Corri o máximo que pude até finalmente estar no portão de casa. Assim que entrei, minha mãe respirou aliviada e eu também após ver que todos estavam bem. Fechamos todas as portas e janelas, para nos proteger da névoa que estava chegando.

Passamos dias e dias assim, sem ver a luz do dia, sem olhar pela janela. No jornal a mensagem era a mesma: “não saiam de casa…não saiam de casa…”. Estávamos oficialmente em quarentena.

E nem precisava dizer. A névoa lá fora não cessava e o zumbido estranho não parava.

Foi esse som que ouvimos por 60 dias. Sem entender porque ou quando ia passar, apenas aguardando.

Mas um dia passou. Assim, de repente. Acordamos e não havia nada. Com muita cautela e vagarosamente abrimos a porta de casa e vimos a imagem que mais desejávamos nessa quarentena: o céu azul, com o sol brilhando para nós.

O que havia acontecido?

Ninguém sabia informar. Ela se fora. Cientistas analisaram, as autoridades investigaram, mas não havia nenhum vestígio. Estávamos seguros novamente.

Pouco a pouco, os dias foram voltando ao normal. As pessoas estavam de volta a sua rotina. Parecia tudo normal, mas algo havia mudado: nós.

Éramos pessoas diferentes. Nas ruas víamos os pais brincando com seus filhos. As crianças ajudando e brincando umas com as outras, deixando o celular e vídeo game de lado.

As pessoas pareciam encantadas com o céu, com as árvores e com a vida, davam mais valor a natureza e ao convívio social.

Fui trabalhar. No transporte público, todos estavam mais gentis, esperaram a sua vez e ajudavam quem não podia se locomover sozinho.

Chegando no trabalho,  meu chefe não estava com o olhar mau humorado de sempre. Ele sorria. Retribuí o cumprimento e sentei em minha mesa, pronta para voltar a rotina.

Cerca de duas horas depois, já estava com quase tudo em ordem, porém cansada. Receosa e sabendo o pensamento habitual de meu chefe, continuei. Até que ele toca em meu ombro e diz: “Que tal fazer uma pausa? Tome um café, converse com seus colegas, aposto que tem muita conversa para colocar em dia.”

Olhei para ele sem reação por alguns segundos. Levantei, ainda com medo de que fosse alguma piada irônica, mas ele apenas sorria amigavelmente.

Foi então que me dei conta. Não importava a origem ou motivo daquela névoa. Ela cumpriu seu propósito: fez com que a humanidade relembrasse o que é ser humano. Que não sabemos para o isolamento e sim para estarmos unidos, nos ajudando, nos valorizando… nos amando.

E, ironicamente, com toda aquela escuridão, nos trouxe luz.

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