Dia 25
Aaah, acordei cedo hoje e fui fazer mais entregas… Fui até a casinha no fim da rua para ver quem estava lá. Uma senhora de 60 anos atendeu. Sua aparência era saudável, nenhuma olheira, alergia ou dificuldade para andar. Definitivamente ela não estava comendo pão! Puxei assunto com ela e ofereci os pães, decidiu comprar dois e disse que comia todos os dias! Mas como isso é possível? Ela já devia ter morrido faz tempo…
Dia 26
Tudo continua conforme o plano… Só há algumas coisas estranhas acontecendo. Aquela senhora não para de me observar… Por onde eu ando, ela sempre está lá. Diria até que está me seguindo. Mas por quê? Será que desconfia de algo? Não seria possível. Ninguém nunca repara em mim nessa cidade. Mas por que isso agora?
Dia 27
Ontem pensei muito sobre aquela mulher. Mas não deve ser nada, devo estar assustado por alguém finalmente reparar em mim. O plano continua como o planejado. Diversas pessoas já morreram na cidade…. Faltam poucas…
Dia 28
Aaaaaah, só pode ser brincadeira! Aquela senhora realmente está desconfiando de algo! Hoje a vi perto do antigo laboratório de minha mãe! O que será que ela viu por lá? Tenho que dar um jeito nisso já! Preciso descobrir por que os pães não fazem efeito nela.
Dia 29
Dia feliz!!! Todas as pessoas da cidade morreram! Bem… quase todas. Aquela senhora continua viva. Mas como? Preciso me livrar dela, com todas essas mortes, com certeza ela desconfia de algo. Me livrarei dela e depois partirei para outras cidades, prosseguirei com o meu plano, não irei parar por aqui…
Dia 30
Não sei mais o que fazer para me livrar dessa mulher, não tenho mais como esconder. Ela às vezes puxa assunto comigo, achando estranho a cidade estar tão vazia… Sempre mudo de assunto. Como ela me percebe? Não deveria ser assim. Acho que irei fazer minhas malas e ir embora dessa cidade.
Dia 31
Não sei mais o que fazer! Fui na rua resolver algumas coisas e quando voltei a casa estava revirada! Com certeza foi aquela mulher! Mas o que procurava? Ainda bem que escondo esse diário muito bem, senão tudo estaria perdido… Tomei uma decisão, irei para outra cidade. Farei minhas malas hoje mesmo.
Dia 32
Meu Deus, me salve! Que dia! Hoje acordei e vi que haviam chegado policiais da cidade vizinha, estavam rondando a cidade e pararam na casa daquela senhora! Agora, nesse exato momento, eles estão batendo em minha porta! Estou escrevendo, pois não sei se irei voltar… acredito que este é meu fim. Essa é a vida de alguém que só queria ser percebido, ser notado. Fiz muitas coisas ruins, mas não sei se consigo me arrepender delas. De qualquer forma… agora é tarde demais.
A verdade…
Minha cidade se tornou uma cidade fantasma, por um erro meu…
Fui uma mãe irresponsável e egoísta, pois tive medo de enfrentar os desafios que implicavam em cuidar de meu filho. Sou cientista e fui mãe muito nova, minha carreira estava começando com um projeto muito promissor: estava prestes a descobrir a cura para diversas doenças mentais. Curaria o Alzheimer, Esquizofrenia, Parkinson, Pânico, Bipolaridade e muitas outras doenças com um simples remédio.
Como toda cientista dedicada, apliquei um teste em mim mesma, que não surtiu efeito algum, logo desisti da fórmula e continuei os estudos. Algumas semanas depois, descobri que estava grávida de Nataniel, o padeiro com quem eu namorava há alguns meses.
No primeiro momento, não percebi nada de diferente e continuei minha gestação como toda mulher que está prestes a ser mãe. Passado nove meses, Isaac nasceu saudável e era um bebê muito bonito. Cresceu feliz como toda criança, engatinhou, começou a falar, deu seus primeiros passos… E eu, adorava ser mãe.
Vivíamos os três muito felizes, formando uma linda família. Porém, quando Isaac completou quinze anos, começou a apresentar comportamento estranho: havia dias que apresentava sintomas semelhantes a de um autista, no outro, esquecia das coisas, tremia, gritava, era agressivo no mesmo momento em que estava rindo.
Tudo estava confuso e complicado demais para um garoto tão jovem. Passei a analisar o comportamento dele com cautela, após muitos estudos, percebi o que havia acontecido: Quando injetei o soro e mim mesma, eu já estava grávida e ao invés de surtir efeito em mim, afetou o meu filho Isaac. Coitado de meu filho, não sabia o que fazer por ele, que estava pagando por um erro meu.
Após tempos convivendo com a culpa, resolvi contar a situação para o meu marido que não entendia nada do que estava acontecendo com o garoto. Quando contei, ele não aguentou de tanta decepção, não aceitou o que eu havia feito, me disse coisas horríveis e foi embora.
Lá estava eu, sozinha com uma criança para cuidar, uma criança que com certeza não era normal e eu não tinha a miníma ideia do que fazer. Durante meses, procurei diversos antídotos, remédios, soros que curassem o menino, mas nada resolvia…
Suas crises estavam cada vez maiores, havia vezes que ele simplesmente esquecia que eu era sua mãe. A única coisa que realmente lembrava, era de fazer pães e entregá-los nas casas, pois fazia isso com seu pai desde que era pequeno e fazia tudo muito bem.
Já estava extremamente esgotada, quando num ataque de fúria dele, me estressei totalmente e fui embora para não enlouquecer. Fui para bem longe da cidade e fiquei fora por muitos anos, sempre com peso na consciência por ter deixado meu filho para trás.
Minha culpa que me corroía, fez com que eu voltasse para vê-lo novamente. Como era de se esperar, ele não se lembrava de mim e tive medo de que tivesse uma crise caso eu tentasse uma reaproximação. As pessoas da cidade, extremamente alienadas, como sempre foram, não notaram a minha volta e nem davam atenção para o meu menino.
Com tudo dentro da normalidade, fiquei na cidade e decidi acompanhar a vida de meu filho de longe. Tudo parecia muito tranquilo, ele fazia o que realmente gostava de fazer: entregar pães. Tudo com muito capricho e alegria. Porém, assim como ignoravam o meu marido, também ignoravam mais ainda meu filho por causa de seu comportamento estranho. Mas mesmo assim, compravam os pães.
Continuei minha vida discreta na cidade por anos. Tudo ia bem, até que recentemente ocorreram fatos estranhos: pessoas doentes do nada e logo em seguida, diversas pessoas faleceram, todos os dias eram quatro ou cinco que morriam. Não desconfiei de nenhum suspeito a principio, até que vi meu filho, perto de meu antigo laboratório.
Como ele ainda se lembrava de lá? Resolvi investigar o que estava acontecendo e em seguida veio a decepção: era ele quem estava causando tudo aquilo. Mas por que matar todas aquelas pessoas? E por que eu não fui afetada? Eu não tinha escolha, tinha que parar o meu menino, por mais que me doesse.
A cidade já estava devastada, mas tinha medo de que ele fizesse isso em outros lugares. Com muita dor no coração, chamei a polícia e o entreguei. Nem tive coragem de olhar em seus olhos pela última vez, tamanha era minha culpa e arrependimento. Talvez se eu tivesse sido uma boa mãe e presente em sua vida, nada disso teria acontecido.
Assim que ele se foi, entrei em sua casa e encontrei esse diário, e entendi tudo. Minha criança se sentia sozinha, um ninguém, como eu suspeitava. O elemento químico que ele colocou nos pães não fez efeito em mim, pois já estava imune aos soros de meu laboratório.
Mas de que isso importava agora? Apenas resolvi escrever para desabafar toda minha dor, todo o meu arrependimento de tornar meu filho um assassino e uma pessoa solitária. Agora quem está só, sou eu também.
Deixo aqui este diário, para quem possa encontrar e quem sabe, o transformá-lo em uma grande história.
Ass: Melinda (cientista, mãe, investigadora, delatora e solitária).